Com o avanço das investigações sobre possíveis fraudes nas cotas étnico-raciais da Universidade Federal de Sergipe (UFS), parte dos investigados tem buscado, na Justiça Federal, por meio de mandados de segurança, o direito de não comparecer às bancas de heteroidentificação instaladas para a investigação. Em 77% dos processos, as decisões judiciais seguem o entendimento do Ministério Público Federal (MPF) de que a UFS tem poder para prosseguir com as investigações e que a utilização de bancas de heteroidentificação nos procedimentos investigatórios é legítima.
Mandados de Segurança – De acordo com informações prestadas pela UFS ao MPF, a Ouvidoria da Universidade recebeu mais de 195 denúncias de fraudes nas cotas raciais em seus processos seletivos para ingresso de alunos.
Em agosto de 2020, a instituição acatou recomendação expedida pelo MPF para que todas as denúncias de fraude fossem apuradas. No mesmo documento, foi recomendado que a universidade adotasse as providências administrativas de cancelamento da matrícula de alunos quando não ocorresse a confirmação da autodeclaração pela banca de heteroidentificação.
Com essas medidas, a UFS segue o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186 pela constitucionalidade da instituição de mecanismos que evitem fraudes para garantir a efetividade da política de cotas pela utilização, além da autodeclaração, de critérios de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.
Dos estudantes investigados, 27 buscaram a Justiça e em 21 dos processos, ou seja, em 77% deles, a decisão da Justiça Federal foi pela legitimidade da investigação da UFS.
Investigações – As decisões judiciais confirmam o entendimento do MPF de que a UFS tem o poder-dever de corrigir seus atos administrativos para sanar ilegalidades em seus processos seletivos.
No caso, após receber denúncias de que pessoas brancas teriam ingressado na universidade nas vagas reservadas a pessoas pretas e pardas, a convocação dos estudantes para comparecer perante as bancas se dá para conferir regular cumprimento da Lei 12.711/2012, que instituiu a política de cotas raciais no âmbito universitário e, por consequência, aos princípios da legalidade e da igualdade.
No direito brasileiro, a Administração Pública tem prazo de 5 anos para rever e anular atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis aos administrados. A atuação da universidade no sentido de revisar a matrícula de alunos após a apuração de fraude às cotas não se confunde com as obrigações assumidas pela instituição no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) firmado com o MPF em janeiro de 2020.
No TAC, a UFS se comprometeu a implementar as bancas de heteroidentificação como uma etapa inserida em todos os seus processos seletivos de admissão de alunos realizados a partir daquela data. Nesse caso, o candidato autodeclarado negro deve passar pela banca como uma fase de seu processo de admissão na vaga reservada, antes mesmo de realizar a matrícula.
Já na apuração de fraudes, o entendimento do MPF é de que a UFS deve convocar alunos que tenham sido alvo de denúncias para se apresentar perante a comissão, no exercício de seu poder de autotutela, mesmo que estes já se encontrem matriculados em seus cursos, desde que isso ocorra antes de decorridos 5 anos da data do ingresso do estudante.
Como explica a procuradora da República Martha Figueiredo, “tratam-se de atuações diferentes, mas complementares, ambas voltadas a garantir que as cotas raciais sejam ocupadas por pessoas com traços fenotípicos de pessoas pretas e pardas, aqueles pelos quais se identifica, no Brasil, alguém como negro e que o sujeita, no curso da vida, a vivenciar o racismo, passando por situações de preconceito e discriminação”.
Além disso, os editais dos processos seletivos de admissão de novos estudantes da universidade contém previsão expressa, como forma de reforçar a atuação da instituição de ensino, de que “o candidato que apresente documentos falsos, forneça informações inverídicas, utilize quaisquer meios ilícitos ou descumpra suas normas será eliminado do processo seletivo e perderá o direito à vaga, a qualquer tempo, mesmo depois de matriculado, estando sujeito à aplicação das penalidades legais”.
Para o MPF, a universidade tem dever de apurar eventuais informações falsas prestadas pelos alunos, bem como de adotar as providências cabíveis para restabelecer a legalidade no processo seletivo e a correta aplicação da Lei de Cotas. Esse entendimento tem sido repetidamente confirmado pela Justiça Federal.
Heteroidentificação – Entre as etapas da investigação, está a banca de heteroidentidicação, na qual o estudante realiza a autodeclaração como negro diante de terceiros, que confirmam ou não a autodeclaração, com base em características fenotípicas (de aparência), e não de ancestralidade.
A constitucionalidade das cotas raciais foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal na ADPF 186 e na ADC 41, quando a Corte também considerou legítima a utilização, além da autodeclaração, de critérios subsidiários de heteroidentificação, desde que respeitada a dignidade humana e garantidos o contraditório e a ampla defesa.
Nesses julgamentos, o Supremo reconheceu que “no Brasil viceja o preconceito de marca, em que o fenótipo, a aparência racial é o critério da discriminação, consideradas não só as nuanças da cor como os traços fisionômicos”, daí a necessidade de que a avaliação das bancas se dê por critério fenotípico.
Os integrantes da banca são selecionados por edital público, devendo ser pessoas idôneas, com conhecimento comprovado em questões raciais. Além disso, os estudantes avaliados têm direito a recurso administrativo contra a decisão da banca avaliadora, de modo que a conclusão final passa pela análise de uma segunda comissão.
Assessoria de Comunicação
Ministério Público Federal em Sergipe